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A sina dos seis monçoeiros - O triste fim de Bartolomeu

 

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— Com os dois companheiros dormindo, pude mirar com mais atenção a correnteza do rio, o céu que estava claro naquela noite fria de abril ou maio; tanto tempo havia passado que já não era dado saber ao certo. — E, voltando-se para os três homens que ainda respiravam, Bartolomeu questionou: — Em que dia nos achamos? 

— Dia dez de abril de 1982. — Disse o seu avô Anselmo. 

— Ora pois! Mais de duzentos anos de nossa partida! Há quanto tempo temos vagado por esse rio sem descanso! 

Todos ficaram perplexos com essa revelação, e então Bartolomeu recomeçou: 

— Como eu dizia: a noite estava fria e limpa. Podia-se ver o Tapirapé, o caminho das estrelas, como os indígenas chamavam a Via Láctea. Estava tão formoso e tão calmo; o rio corria em sossego. Cheguei a sentir uma profunda paz. Foi quando avistei um ser mágico na beira do rio: uma formosa mulher de pele morena, cabelos longos, pretos e lisos. Ela estava se aproximando do acampamento, mas parecia pairar, alheia à nossa presença. Levantei-me, mas ela permanecia em sua caminhada; sequer olhou para mim. Percebi então que se tratava de um espírito atormentado do rio Anhemby, e então me benzi e fiz uma reza para que aquela alma seguisse seu caminho em paz e alcançasse o paraíso. Ela se foi, e após rezar ao Senhor Bom Jesus do Cuiabá, pedindo proteção – Ele já me livrara de inúmeros infortúnios e me guardara dos demônios que assombravam aquele rio –, voltei à minha vigília. O rio permanecia calmo, o céu límpido e claro. No nosso acampamento tudo parecia em paz. Carlos e Vicente estavam dormindo feito bebês. Nada poderia acontecer naquela noite, pensei. Mas eu estava mui enganado.

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