Casimiro era um homem alto e forte, a pele branca queimada pelo sol e oleosa, cheia de feridas, umas curadas, outras abertas. O cabelo longo, liso e castanho-claro, com uma barba curta malfeita, com falhas e cicatrizes. Era o mais bem vestido do grupo, não que suas roupas não estivessem esfarrapadas, mas aparentemente era o líder daqueles homens. Ele iniciou os relatos:
— Pirataca?! — Munduco perguntou.
— Sim, uma enorme serpente passando lentamente por baixo dos batelões. Vicente foi o primeiro a perceber, nos avisando com cuidado. Ao que, já com as armas em punho, aguardamos o ataque. Percebendo que seria uma grande peleja, talvez, o monstro seguiu adiante sem atacar qualquer embarcação do comboio. A Pirataca era um monstro-serpente que devorava homens; ela emergia das águas do rio e nenhum filho de Deus podia fugir de suas presas: uma cobra gigantesca com dentes enormes. Virava os batelões e a carnificina se seguia. Quem tivesse a sorte de avistar a tempo de sair das águas muitas vezes conseguia escapar, ouvindo os gritos de horror dos pobres desavisados e guardando em sua mente a triste cena até o fim de seus dias.
Ao contar sobre o monstro e os desafortunados que o encontraram, Casimiro ergueu o copo de bebida e foi seguido por seus companheiros; os outros três homens também seguiram o movimento e brindaram.
— Decidimos parar para descansar e orar pela graça concedida, pois dessa vez passamos ilesos, mas nem todos os pilotos compartilhavam da mesma intenção: quatro batelões ficaram e os outros seis seguiram. Nunca saberemos se tiveram mais sorte. ‒ disse Casimiro com o olhar distante.
O silêncio, denso e opressivo, prenunciava momentos de angústia e desespero. Casimiro prosseguiu com seu relato:
— Então, descarregamos alguns mantimentos e iniciamos a montagem do nosso acampamento: alguns homens cuidaram da refeição, outros dos alojamentos, e Bartolomeu e Matias cuidaram de montar um altar para Nosso Senhor, a fim de agradecermos a graça. Realizamos nossas orações, nos alimentamos e, assim como estamos fazendo agora, bebemos um pouco para acalmar a alma e proseamos. Alguns homens começaram a contar suas aventuras e visões que tiveram durante viagens passadas naquele trajeto. Lembro-me de ouvir sobre um ataque de Pirataca que foi testemunhado por um piloto e seu proeiro, que só conseguiram escapar por nadarem até a margem a tempo; porém, os outros tripulantes não tiveram a mesma sorte. Ficaram dias andando na mata até encontrarem uma trilha e chegarem a um vilarejo próximo de Jahu. Lá conseguiram pouso, uma canoa, seis remeiros e voltaram para as águas, seguindo viagem. Ao chegarem ao destino, procuraram pelos companheiros, mas ninguém havia chegado daquele comboio. Foram até a capela do Senhor Bom Jesus do Cuiabá e lá fizeram suas rezas pelas almas dos amigos e pediram proteção para o retorno. A noite já ia alta; alguns homens já tinham se recolhido após um sorteio para a vigília daquela parada. Fui descansar e Bartolomeu ficou de vigília. Conte-nos como foi o seu turno, meu amigo. — E, indicando Bartolomeu no meio da roda de conversa, Casimiro passou a história ao companheiro.
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